Eu sempre sonhei em conhecer os EUA pela Route 66 (ou Rota 66, como queiram), a lendária estrada que atravessa a América de costa à costa. Bem, não precisamente de costa à costa, já que Chicago, Illinois, situa-se nas margens do Lago Michigan, na região dos Grandes Lagos, porção continental quase centro-nordeste dos EUA, e não na costa do Atlântico. Porém, a Route 66 atravessa oito estados americanos até chegar em Los Angeles, Califórnia, no extremo sudoeste americano, na beira do Pacífico.
Tal jornada de 3.940 km, acredito que se equivale a atravessar a Europa, numa distância entre Moscou a Lisboa. Ou então, a distância entre São Paulo a Manaus.
Esta viagem tem a mística que os muçulmanos têm para peregrinarem até Meca, uma vez na vida. E eu achava que todo cidadão americano também fazia tal peregrinação na Route 66.
Estereótipo ou não, o “american way of life” não seria o mesmo sem a Route 66, a “mãe de todas as estradas”.
Aluguei uma Harley-Davidson, modelo idêntico ao do road movie “Sem Destino” (Easy Rider – 1969), para eu poder realizar o sonho de atravessar os EUA pela histórica estrada, tendo Chicago como ponto de partida.
Até então, a única rodovia famosa que conhecia era a BR 040 (ok, de vez em quando passava pela BR 381 também...)
E assim, caí na estrada, partindo de Chicago, terra do Barack Obama e de Al Capone. Lá uns caras meio mal-encarados me fizeram adiantar a viagem...
E com o celular desligado e com o peito estufado, eu acelerei feito um personagem de Jack Kerouac rumo ao desconhecido...
(Imaginem um nerd entoando o mantra “Born to be Wild”...!):
E assim, como Camões, “por mares nunca dantes navegados”, atravessei os estados de Illinois, Missouri, Kansas e Oklahoma, sob muito calor, poeira e êxtase.
Resolvi completar o tanque e tirar uma “água do joelho” em um posto de gasolina em Tulsa, OK. Num rango daqueles, procurei por pão de queijo, quando a minha ficha caiu: eu não estava em Minas… Azar o deles: pão de queijo é um maná que não pode ser encontrado nesses malditos drive-thrus de beira de estrada, que só vendem colesterol e AVCs.
E como estava anoitecendo, resolvi pernoitar ali mesmo em Tulsa.
Estava um calor infernal, que parecia Montes Claros. Pelo menos fiz umas amizades quentes também. E tão divertidas quanto:
Passei por Oklahoma City, capital de OK. Beberiquei uma tequila em Amarillo, no Texas, e vomitei o Big Mac que havia comido em Tulsa.
Apesar de meio perrengue, cheguei na famosa Santa Fé, no Novo México.
Lá, por um azar, fui atendido por uma garçonete doida de pedra. Jurou de pé junto que era neta de Charles Manson com uma índia sioux. Ela se chamava Cody Lane e era atriz de cinema. E como ficou sabendo que o meu destino era LA, pediu uma carona, para se encontrar com Quentin Tarantino (!).
E para complicar ainda mais, a pequena Cody estava fugindo de seu noivo. Disse que o cara era “o cão chupando manga”: ciumento, violento, que adora exterminar tuiteiros e tinha o “índice da maldade” tão elevado quanto o do J. Noronha...
Ela desbocada e com uma arma em punho, pulou na garupa da minha moto e mandou eu picar a mula:
“Go, mothersucker, go!”
Fiquei fulo da vida porque ela me obrigou a passar direto por Albuquerque e eu nem tive tempo de conhecer a cidade que tanto me recomendaram...
Acabamos parando ao anoitecer, num motel em Flagstaff, no Arizona.
Lá, eu consegui me esquivar dessa noiada, que, do nada, efetuou dois disparos na minha direção que, por muita sorte, não me acertaram!
Eu pensei: “P****, será que saí do Cedro para ser morto no Arizona? Que zona...!”
Não desperdicei a chance e abandonei aquela agourenta na beira da estrada, naquela escuridão de lua nova.
Acelerei o máximo que pude. A viagem voltou à normalidade. Atravessei o famoso deserto de Mojave (nada contra, mas ainda prefiro o cerrado: pelo menos lá tem pequi e araticum que são ótimos para a memória...).
Ah, em Mojave, por coincidência, encontrei três velhos amigos que me deviam uma grana. Lógico que não foi desta vez que me pagaram...
Finalmente cheguei em LA, Califórnia, todo moído e estropiado!
Desmaiei no quarto de motel, me sentindo o próprio Cristo depois do Calvário!
Lá pelas tantas, um sujeito esquisito me acordou. Tinha cara de agente da extinta KGB. Apontava uma arma na minha direção e sussurrava algo incompreensível:
“Where’s my bride? Where’s my bride?”
E eu, meio zonzo, perguntava: “Orgulho? Que orgulho?”
O cara, ainda mais nervoso, insistia:
“Bullshit! Where’s my bride?”
E não é que o filho-da-mãe apertou o gatilho...
E de repente, tudo ficou frio, escuro e silencioso...
* * *
E eis que por um milagre, eu despertei. Parece que alguém havia a pouco, sussurrado em meu ouvido: “Wake up, dead man!”.
“Oh, Glória!” Eu não queria morrer dormindo, ainda que em Los Angeles, ainda que no Brilhante!
E é por essas e outras que muito valor eu dou a outro trajeto que faço do serviço pra casa: de Paraopeba pra Caetanópolis, no coração de Minas.
E esta dádiva vale mais que qualquer sonho!
Sobre o Autor:
![]() | Harley Coqueiro - um cara da paz, iluminista, torcedor do Galo, evangélico não fundamentalista, pai do Ulisses e do Dante. Já desenhou charges, escreveu poemas e compôs canções gospel. Tem como pecados, gostar em excesso de rock'n'roll, filmes e comida! |

10 comentários :
Que relato contagiante! Muito bom. Eu até gostaria de ser o protagonista desta aventura!
12 de abril de 2010 às 10:06Prezado Coqueiro, esse post-viagem foi muito legal. Já tive sonhos assim também, de querer percorrer lugares e momentos fantásticos da história, como Woodstock, show da campanha pelas "Direta Já" na praça do Papa, Rock in Rio, show de Simon e Garfunkel no Central Park, viajar pelo Caminho de Santiago, viajar à Aparecida-SP, para Jerusalém, para o Egito, para a Grécia, para Smallville, para Vulcano, para o Japão, etc, etc.
12 de abril de 2010 às 10:33Se Deus quiser, um dia vou a Ouro Preto e a Congonhas...
Magnum 44
12 de abril de 2010 às 11:08Querer é poder! Valeu!
EDN,
"Se Deus quiser, um dia vou a Ouro Preto e a Congonhas..." KkKkKkK! Muito boa!!!
Adorei a história... poderia fazer um curta.
12 de abril de 2010 às 13:39Richard,
12 de abril de 2010 às 14:19Cê sumiu, sô!
Quanto à sua sugestão para o curta, ela foi acatada. Entretanto, o produtor pediu para mudar o título para "Diários de Motocicreta"...
Muito legal!
12 de abril de 2010 às 20:45O trajeto Sete Lagoas Boa Vista(digo Povoado do Pascoal)também é uma dádiva, com duplicação da O40 e tudo. Você já experimentou?
Simpáticas as moças na cozinha...
Nem vou perguntar se você, no seu sonho de "minerim" "se alimentou" bem (pensou que eu ia utilizar outro verbo, né?)...
Abração,
Cida.
Devo confessar que também já tive um sonho parecido, porém não exatamente na Route 66, podia ser qualquer outra freeway americana, eu estava a bordo de um conversível e ouvindo Last Kiss do Pearl Jam.
13 de abril de 2010 às 08:03Meu sonho seria bem mais tangível se fosse numa freeuai, não é vero, rsrsrs.
Cidda,
13 de abril de 2010 às 09:24Por coincidência, eu faço o trajeto que você mencionou quase todos os dias!
Quanto à "alimentação com 'the girls in the kitchen' ", prefiro a boa "comida mineira"... KkKkKk!
ZMárcio,
"Freeuai"?! KkKkKk! Muito boa!!!
Eu não sou mau, o mundo é que é muito bonzinho :-D .
22 de abril de 2010 às 22:01J. Noronha,
23 de abril de 2010 às 08:54Valeu pela visita e pelo seu senso de humor.
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