Antes de tudo é bom esclarecer que eu sempre fui um perna de pau, ainda que gostasse goste deste esporte maluco que reúne 22 homens e uma bola. Eu debito a minha ruindade no futebol ao fato de que o meu pai, sistemático como uma porta, proibia eu e os meus irmãos de jogarem bola, e dizia que “futebol e música eram coisas de malandro” (Ainda bem que não dizia que eram coisas de baitola!).
A 1ª ironia é que o meu saudoso pai era atleticano/corinthiano e fã do goleiro Mão de Onça e do craque Rivelino. A 2ª ironia é que eu acabei gostando muito de futebol e sou um músico de rock frustrado. A 3ª ironia, que não se concretizou, é que duvido se eu ganhasse os meus primeiros milhões de dólares como jogador ou roqueiro se o meu pai não mudaria imediatamente o seu préconceito de “futebol, rock e malandragem”, à beira de uma piscina em Beverly Hills, rodeado de belas garotas com os seus biquinis asa delta…
E assim carreguei em minha adolescência vários complexos de inferioridade: ruim de bola, ruim de dança e péssimo em matemática. Além de ser pobre, feio e morar longe. Mas de todos os complexos, o de ser ruim de bola era um dos que mais me incomodava. Por várias vezes sofri humilhações e isolamento por não ser um craque da bola (era sempre o último a ser escolhido para as peladas!), mas ainda assim, conseguia, ainda que raramente, ter performances inesquecíveis e marcar os meus gols.
Eu, reprimido pelo meu pai (o meia-atacante Freud explicaria), não desenvolvi fundamentos básicos do ludopédio quando criança, o que me comprometia tecnicamente, mas inacreditavelmente, eu tinha relativa facilidade inata para driblar e um bom passe, além de ser voluntarioso sem ser desleal.
O meu 3º gol mais bonito foi muito especial pois foi marcado no fim do ano de 1999, durante um jogo preliminar de confraternização entre funcionários atleticanos e cruzeirenses da Prefeitura de Paraopeba. Lembro que o nosso Galo perdia por 5 x 1 e faltando menos de 10 minutos para acabar a peleja, eu entrei na lateral direita com a difícil missão de segurar as arrancadas do veloz ponta Marquinho do Zitão (“in memoriam”) e ainda tentar ajudar a pelo menos empatar a partida. Entretanto, como disseram as pessoas que estavam nas arquibancadas do Estádio das Magnólias, “incendiei o jogo”, fazendo lançamentos, tabelas, passes para gol e atormentando a defesa adversária. O gol que eu marquei foi o 4º do Galo e lembro que caía uma chuva fina que deixou o gramado pesado, e o saudoso Eduardo “Ratinho” (saudades deste bom camarada!) recebeu a bola pelo meio e viu que eu chegava pela ponta direita e rolou a bola “com açúcar e com afeto” para que eu chutasse de direita, de primeira e fora da área, e marcasse um belo gol no goleiro azul Bené. Pena que só deu tempo para eu comemorar o gol e o juiz encerrar a partida. Fiquei triste pois o Galo perdera por 5 x 4 naquela manhã, mas muito feliz pelos elogios de quem me viu jogar. E isto para um perneta, não tem preço!
O meu 2º gol mais bonito foi marcado em 1982, numa tarde na quadra do Conjunto das Américas, em Contagem/MG. E aconteceu um fato interessante e meio “sobrenatural de almeida”. Era uma partida de futebol de salão (na época ainda não era conhecido como futsal) e a peladinha estava “pau a pau”. Lembro que atuava de pivô e em determinado momento um jogador da minha equipe havia chutado e a bola bateu no travessão e veio na minha direção. Só que eu pipoquei: fiquei com medo de cabecear a bola pois o goleiro saiu arrojado “no abafa”, esmurrando a redonda. Pensei: “Se houver outra oportunidade dessas, eu não desperdiçarei!”. Incrível: fui acabando de pensar e parece que os deuses do futebol ouviram o meu pensamento e tiveram misericórdia de mim. Lembro que o Geraldinho (um sósia do Hernandez, física e futebolisticamente) chutou do meio da quadra e a pelota explodiu no travessão. A bola rebateu e o goleiro saiu novamente para interceptar a gorduchinha, estendendo as mãos para que eu não a cabeceasse, mas já era tarde: cumprimentei-o com um belo gol de cabeça (o famoso “queixo no peito” do Dadá). Neste lance aprendi que em futebol não há lugar para medrosos. Lembro que todos que estavam fora da quadra comentaram o belo gol que eu havia marcado.
E o meu gol mais bonito foi marcado numa peladinha de futsal numa tarde de 1992, na quadra da CNEC em Caetanópolis/MG. O Bila (um sósia do Mozer) recebeu a bola do goleiro no lado esquerdo da meta e inteligentemente percebeu que eu me deslocava em diagonal, da direita para esquerda, confundindo a marcação adversária. O Bila então fez um lançamento primoroso de 100 jardas. Eu, de fora da área adversária, meio à esquerda, matei a bola com a direita e sem deixá-la cair, executei um giro de 180 graus (pois estava de costas para o gol) e chutei forte com o pé esquerdo (na veia!) e o goleiro deve estar procurando a bola até hoje…
Apesar de não ter sido abençoado no futebol, eu, um típico “nerd”, acabei por uma dessas ironias do destino, sendo convidado para ser um comentarista de futebol em um canal de TV (“Esporte 56” da TV Educativa de Paraopeba).
Agora, amigo leitor, se você chegou até aqui é porque gosta também de futebol. Conte para nós como foi(ram) o(s) seu(s) mais belo(s) gol(s). Vale de peladinha a gol de Copa do Mundo…
Sobre o Autor:
Harley Coqueiro - um cara da paz, iluminista, torcedor do Galo, evangélico não fundamentalista, pai do Ulisses e do Dante. Já desenhou charges, escreveu poemas e compôs canções gospel. Tem como pecados, gostar em excesso de rock'n'roll, filmes e comida! |
8 comentários :
Grande amigo, realmente o preconceito em relação à pouca afinidade com o balão de couro é um dos mais difíceis de ser superado neste país do futebol. Todos nós que não tivemos a oportunidade de sermos craques passamos muitos anos tentando superar os traumas resultantes disso. Mas, pelos gols que você tão bem descreveu, percebo que superou isso. Vou seguir o seu exemplo, embora tardiamente, e tentar passar por cima desse terrível trauma que me persegue há tanto tempo.
24 de janeiro de 2011 às 08:21Uai,eu estava no primeiro jogo mas não me lembro do referido gol. Decerto estava mais preocupado com a vitória do que com detalhes "coadjuvenescos". Todo perna de pau tem seu dia de Pelé, no seu caso foram 3, significa que você não tão perna de pau assim. Já te contei o caso do "atleta" "calçãozinho" né? Então, taí um exemplo marcante...
24 de janeiro de 2011 às 13:59The EDN,
24 de janeiro de 2011 às 14:33Realmente, ser perna de pau no "País do Futebol" é pior que ser judeu na Palestina (ou vice versa)...
ZMárcio,
Você se lembra sim: você jogou no jogo de fundo (1º quadro) e não na mesma partida que eu. Lembro que inclusive você foi um dos que me disseram que eu devia ter disputado o jogo do 1º quadro!!!
É verdade Harley, de fato não atuamos na mesma partida, você jogava no 2º quadro. Agora me lembrei.
24 de janeiro de 2011 às 15:57Meninos,
26 de janeiro de 2011 às 09:32O convite, pelo que se pode perceber é para os jogadores(machos, hombres); note-se o "Agora, amigo leitor" no final do texto.
Pois é, né?...Mas eu até marquei um gol no campo do Textil quando era funcionária da Cedro e Cachoeira, Fábrica GMM de Sete Lagoas e o Trossol, colega de seção, formou um time feminino...
Abraços,
Cida.
Cidda,
26 de janeiro de 2011 às 13:53Antes de tudo, me perdoe!
Este deve ter sido o "post" mais machista que eu já postei!
Mas gostei do seu comentário: dos comentaristas que por aqui passaram, apenas você, uma mulher, teve a coragem de contar que já marcou o seu gol!
Eu conheci o Trossol. Foi também jogador e juiz de futebol nos bons tempos do campeonato amador da Liga de Futebol Setelagoana. Mas o futebol certamente não é um esporte exclusivamente masculino. Há mulheres que superam muitos supostos craques por aí. Não é preciso nem falar da Marta, que é fora de série, mas podemos, por exemplo, falar da Cristiane, da Formiga e de tantas outras. Vou lançar uma campanha: Marta para a camisa 10 da Seleção Brasileira... masculina (porque não há nenhum que joga como essa menina).
28 de janeiro de 2011 às 08:00EDN,
28 de janeiro de 2011 às 13:22Eu já ouvi falar do Trossol mas não cheguei a conhecê-lo.
E bem observado: tem jogadoras de futebol bem melhores que alguns jogadores...
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